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Por Daniel de Almeida e Souza Jr.

“Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.”  (Lucas 15:18-20)

“E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores.”(Lc 7:13) “E, vendo as multidões, moveu-se de íntima compaixão, porque andavam cansadas e desgarradas, como ovelhas que não têm pastor”. (Mt 9:36) “E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.” (Mt 14:14) “E Jesus, chamando os seus discípulos, disse: Tenho compaixão da multidão, porque já está comigo há três dias, e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça no caminho.” (Mt 15:32) “Então o Senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.” (Mt 18:27) “Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão.” (Lc 10:33)

Contra fatos não há argumentos; tão menos contra afetos.

Nas aulas de Homilética do seminário, costumávamos nos divertir quando se falava sobre pregadores iniciantes que, quando mal preparados, anotavam nos esboços de suas mensagens: “Aqui devo gritar, pois a argumentação é fraca“. Dias atrás gritei com meu filho; e de novo, e de novo. Talvez já me faltassem argumentos; ou mesmo tivesse me acomodado a ganhar no grito. Naquela tarde de sábado, eu e ele nos abraçamos. Não um abraço despretensioso, daqueles de ‘oi’ e ‘tchau’…não mesmo. Aconteceu logo após aquela boa conversa onde se tem a chance de confessar as culpas um ao outro. Ficamos ali, eu dentro do abraço dele, ele envolvido pelos meus braços. Não havia outro lugar em que quiséssemos estar; íntima e recíproca compaixão. A violência nossa de cada dia nos desumaniza a todos; ao perpetrador, à vítima e, de igual forma, ao que assiste passiva, quase resignadamente, à vitória do mal contra o bem. A violência é filha do medo; tendemos a ser reativos quando nos sentimos inseguros e ameaçados. Essa resposta cruel a outro ser humano nos impede de enxergar mais fundo, além daquilo que o próximo aparenta ser. Se o fizéssemos, perceberíamos ali mais alguém amedrontado, também ávido de amor. Enxergaríamos a nós mesmos, como num espelho revelador, e constataríamos que aquele que julgávamos tão diferente é, na verdade, tão humana e miseravelmente igual a nós. Numa sociedade violenta como a nossa, as maiores vítimas serão os mais pobres; crianças, mulheres e velhos – especialmente se a sua pele for negra -, além do gigantesco contingente de refugiados em todo o planeta. A miséria quase sempre é o laço de morte que os une. A violência tem a sua face mais visível nos arroubos e explosões pessoais, onde a força bruta se afirma sobre o mais vulnerável. Mas, ainda que ela tenha origem no coração do ser humano, ganhará substância na manutenção de estruturas perversas cuja força motriz é o acúmulo de poder e riqueza para uns poucos em detrimento de muitos. A violência estrutural institucionaliza toda a sorte de injustiças. A violência estrutural espolia a alma humana levando-a a considerar quase normal viver num mundo injusto e cruel. A violência estrutural domestica o ser, subjugando-o, até que se adeque, escravizado, à régua do opressor. No Brasil, quando se fala em (des)governo da nação, já não se alimentam as esperanças; predomina o cansaço, o medo e a complacência. Políticos desmoralizados, cujo maior objetivo se tornou o de se manterem no poder, evitando inquéritos e julgamentos e, assim, perpetuando as suas podres ambições ao aprovar reformas que atendem a interesses e lógicas do mercado. Sofrerão ainda mais aqueles destituídos dos direitos humanos básicos; os historicamente espoliados pelo ímpio. Deus vê a violência que gera injustiça. Deus vê a opressão que apequena a existência humana. Deus vê a dor que a solidão alimenta. Deus vê! A injustiça afronta os céus. A injustiça descaracteriza a boa obra de Deus.

“Assim diz o Senhor: Exercei o juízo e a justiça, e livrai o espoliado da mão do opressor; e não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar.” (Jr 22:3)

No sacrifício inocente de Cristo, contudo, o Pai responde à violência com misericórdia; propõe o abraço.

“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Is 53:4-5)

A Sua resposta à violência é a entrega que sacrifica. A Sua resposta à violência é a morte que justifica. A Sua resposta à violência é a ressurreição que mata a morte. A Sua resposta à violência é o amor que perdoa e redime. A Sua resposta à violência são os braços abertos da cruz que solidariza.

O abraço do Pai afugenta o medo. O abraço do Pai nos nutre de amor e compaixão. O abraço do Pai, sobretudo, redime-nos e reumaniza-nos.

Um coração quebrantado diante da cruz é, portanto, o terreno mais fértil onde floresce o amor do Pai. E se a Missão de Deus é amar, também a dos Seus filhos será.

Amor que não é seletivo. Amor que abraça primeiro, pergunta depois. Não um abraço de encontros ou despedidas. Ah, não. É ‘O’ Abraço!

Abraço do Cristo Redentor! Abraço que constrange à adoração. Abraço que afirma a identidade de filhos. Abraço que encapsula, transforma e liberta. Abraço que lança Seus filhos ao mundo como pequenos cristos buscando a quem amar.

Contra afetos não há argumentos; então nos rendemos; e de novo, e de novo a Ele. Os caminhos do amor do Pai e da Missão se confundem, como se fundem na fluência os braços de quem abraça. Onde começam os meus e terminam os do próximo? Quem sabe?

Os caminhos do amor do Pai não transigem com a violência e com a injustiça; não os ignoram. Os caminhos do amor do Pai são incansáveis na denúncia do pecado quando a compaixão e a misericórdia se tornam a agenda mais urgente de um filho Seu. Esses sempre dirão: ”Pelo amor de Deus, parem de oprimir o pobre, o órfão, à viúva e ao estrangeiro!!” O pobre tem um lugar especial no coração dos filhos de Deus (Gl 2:10).

Os caminhos do amor do Pai são caminhos de íntima compaixão. Os caminhos do amor do Pai transformam o lamento em dança. Os caminhos do amor do Pai libertam do jugo das dores. Os caminhos do amor do Pai são libertadores.

“Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.” (Mt 11:28-30)

O autor, Daniel de A. e Souza Jr é pastor Batista, missionário da Sepal e atua em assessoria à Aliança Evangélica.

Fonte: Aliança Evangélica